A TURBERCULOSE E O SANATÓRIO NAVAL EM NOVA FRIBURGO

A tuberculose, doença milenar, foi uma das maiores causas de morte até o século XX. Tratada com clima de altitude e hidroterapia, inspirou artes e levou à criação de sanatórios, como o de Nova Friburgo. A descoberta de antibióticos na década de 1940 revolucionou seu tratamento, tornando-a curável.

A TURBERCULOSE  E O SANATÓRIO NAVAL EM NOVA FRIBURGO
Ao fundo, pacientes tuberculosos com a oficialidade. Acervo Sanatório Naval

A tuberculose pulmonar, no passado conhecida como tísica, é uma das doenças mais antigas na história da humanidade. Estudos em múmias originárias do Vale dos Reis demonstram que acompanha o Homem há milênios. Trata-se de uma doença infectocontagiosa transmitida pelas vias aéreas (espirro e tosse) que afeta principalmente os pulmões. A sua etiologia constituía uma incógnita para os médicos até o final do século 19, chegando-se ao ponto de atribuir como causa o luxo excessivo, a ingestão de alimentos deteriorados, hábitos sedentários e a sífilis, só para ficar em alguns exemplos.

No Brasil Império a doença era conhecida como febre de abatimento, peste branca, dama branca, febre hética, velha senhora, fraqueza do peito, fimatose e tísica. A tuberculose era uma doença de elevado índice de mortalidade e por isto o seu diagnóstico era considerado quase uma sentença de morte. Historiadores estimam que a tuberculose eliminou cerca de ¼ da população da Europa no século 19. Em cada família brasileira era certo haver uma pessoa, pelo menos, com esta doença.

Caracterizou-se pelo ecletismo o tratamento dos “fracos do peito”. A sangria e muitos exemplares da flora brasileira foram empregados como o agrião selvagem, o suco de cipó chumbo, a resina da jataí com açúcar, a aguardente como xarope, o fruto de goiabeira, leite de burra ou de cabra mamado em jejum nos próprios animais, café com leite e mocotó. Morreram de tuberculose São Francisco de Assis, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, Chopin(que expressa em  algumas de suas composições o drama da doença), Bellini, Rossini, Mozer, Stravinsky, o pintor Rafael, Weber, Grambell, Franz Kafka, Calvino, Simon Bolívar, Salazar e George Orwel. D. Pedro I faleceu em 1834, aos 36 anos, de tuberculose. Castro Alves morreu tuberculoso aos 24 anos deixando inacabado o poema Os Escravos.

Esta doença inspirou escritores, poetas e compositores. Dostoiévski, tuberculoso, transporta em toda sua obra, a exemplo de Crime e Castigo o terror da doença, assim como Stendhal em O Vermelho e o Negro e Victor Hugo em Os miseráveis. O livro A Dama das Caméliasromance autobiográfico de Alexandre Dumas Filho se inspirou em suas relações com a cortesã Marie Duplessis, que padecia desta doença. Este romance inspirou o compositor Giuseppe Verdi na ópera La Traviata. O terceiro ato é dramático com a morte de uma mulher abandonada por estar com tuberculose. Giacomo Puccini se inspirou igualmente em A Dama das Camélias e compôs La Bohème.

O mais conhecido romance que aborda a tuberculose é o livro Montanha Mágica, de Thomas Mann. O escritor ambienta o livro no Hotel Schatzalp, em Davos, na Suíça onde a cada ano tuberculosos buscavam a cura na taumaturga montanha mágica. O livro foi publicado em 1924 e apenas nos primeiros quatro anos alcançou uma tiragem fenomenal de 100.000 exemplares. Foi traduzido em 27 idiomas e logo o mundo inteiro estava lendo sobre a existência microcósmica dos pacientes com tuberculose de um sanatório nas montanhas da Suíça. No Brasil um livro que fez muito sucesso foi Floradas na Serra. A autora Dinah Silveira de Queiroz igualmente relata o cotidiano sanatorial. 

No Brasil, 44 poetas morreram de tuberculose entre a idade 23 e 35 anos. Álvares de Azevedo, Euclides da Cunha, Ferreira Gular, entre outros. Augusto dos Anjos que padecia da doença fazia referência à tuberculose em sua obra, assim como Manuel Bandeira. Desde que descobre ser tuberculoso Manuel Bandeira inicia uma peregrinação em busca de cura em Minas Gerais, Petrópolis, Teresópolis, e até mesmo nos sanatórios de Clavadel e Davos, na Suíça. Publicado em 1930, o poema Pneumotórax no livro Libertinagem, um clássico do modernismo brasileiro, ironiza esta doença.

A partir de uma pesquisa empírica do médico alemão Alexander Spengler(1827-1901)  passa-se a acreditar que o clima dos alpes ou das montanhas poderia curar a tuberculose. Em 1853 surge uma oportunidade de trabalho para Spengler em um posto médico em Davos, uma aldeia simples e isolada no cantão de Grison. O médico observou que os habitantes de Davos tinham uma boa constituição física e não havia na localidade nenhum caso de tuberculose, o que era uma raridade. Splengler começou a receber alguns pacientes tuberculosos e lhes prescrevia caminhadas, consumo de até 3 litros de leite ao dia, uma dieta fortificante com carne e ovos, vinho com moderação, massagens e duchas frias.

Como o estado de saúde de seus pacientes melhorou, Splengler conclui que o clima de altitude não só protegia da tuberculose, mas igualmente a curava. Na sua observação empírica o tratamento nas montanhas deveria ser feito se possível no inverno devido aos benefícios do ar frio e rarefeito. Utilizava ainda no tratamento a hidroterapia, notadamente as duchas frias, outra inovação na época. A notícia de sua experiência promissora se espalhou rapidamente entre a comunidade científica internacional. Em 1868, Spengler estabeleceu o primeiro sanatório em Davos, destinado a pacientes ricos. 

O tratamento em sanatórios no ar salubre, frio e sobretudo seco em localidades com clima de altitude passou a ser considerado a terapia padrão para a tuberculose pulmonar. Em 1882, Robert Koch identificou o agente causal desta doença, que passou a ser conhecido como bacilo de Koch. Mas o tratamento para combater efetivamente este bacilo ainda levaria algumas décadas desde a sua descoberta. Por conseguinte, os médicos continuavam a prescrever o clima de altitude para a cura da tuberculose.

O município de Nova Friburgo, além das condições climáticas favoráveis a convalescença da tuberculose possuía o Instituto Sanitário Hidroterápico, considerado de excelência, inaugurado em junho de 1871, de propriedade dos médicos Carlos Éboli e Fortunato Correia de Azevedo. No manual de medicina do famoso médico polonês Piotr Czerniewicz há uma descrição completa deste estabelecimento, o que denota sua importância no tratamento hidroterápico. Em 1876 o Imperador D. Pedro II, diabético, e a imperatriz fizeram uso das duchas durante um mês no Instituto Hidroterápico de Friburgo. No entanto, no ano seguinte, quando o francês Antonie Court instalou em Petrópolis o Imperial Estabelecimento Hidroterápico, Pedro II passou a frequentá-lo.

A hidroterapia consistia na aplicação externa e interna de água. Externa sob a forma de duchas frias e interna com a ingestão de abundante quantidade de água, na maioria das vezes fria ou gelada. Tais recursos eram associados a sudoríferos energéticos, massagens prolongadas, caminhadas e alimentação balanceada. O tratamento com duchas destinava-se à cura de moléstias como tuberculose na fase inicial, beribéri, anemia, caquexias, diarreias, dispepsia, gastrite, hepatopatias, neuropatias, distúrbios mentais, reumatismo, gota, febres intermitentes e rebeldes, bronquites e patologias uterinas.  

O clima de altitude e o Instituto Hidroterápico atraíram a Marinha para a salubre Nova Friburgo, se instalando no ano de 1889 inicialmente para o tratamento de seus marujos acometidos de beribéri. Foram alugadas na rua General Osório duas chácaras com casas de vivenda que se comunicavam por um caminho interno. Anos depois, a Marinha adquiriu o chalé de caça, conhecido como “barracão” de Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o Conde de Nova Friburgo. O chalé era circundado por uma mata de 196 alqueires. Efetuada a compra, em 30 de junho de 1910, a Marinha passa a ter uma propriedade própria para o tratamento médico de seus oficiais e praças.

Pouco depois descobriu-se que o beribéri era uma deficiência de vitamina B1 e ficou bem mais fácil tratá-la. Consequentemente, a Marinha volta-se para outra doença que ceifava muitas vidas de seu pessoal, a tuberculose. Cumpre destacar que desde a sua inauguração, o chalé não estava devidamente aparelhado havendo inclusive críticas quanto às precárias condições com que começou a funcionar. Muito pouco se tinha feito para adaptar a outrora vivenda familiar em um sanatório propriamente dito.

O único meio de condução para a cidade era um bonde puxado a burro, deslisando sobre trilhos, deixado pelo conde. Foi posteriormente substituído por uma charrete que servia de transporte até o advento do automóvel. Como o serviço considerado indispensável era a ducha, que tivera resultados eficazes em pacientes com atrofias provocadas pelo beribéri, em 1918 o chalé já conta com a aparelhagem de ducha. Em 1921, um pavilhão é edificado na propriedade para a aplicação da ducha, eletroterapia e radioterapia.

Em 1921, pavilhão é edificado para a aplicação das duchas. Acervo Sanatório Naval

Já em 18 de fevereiro de 1936 foi inaugurado num dos pontos mais altos da propriedade, o hospital de tuberculosos, conhecido na cidade como “HT”, e se convencionou chamar a base da Marinha em Nova Friburgo de Sanatório Naval. No pavilhão de Tisiologia começou a funcionar quatro enfermarias para os praças e uma outra com quartos privativos para os oficiais. Nas suas instalações possuía uma fossa biológica para o tratamento das águas servidas lançadas no rio Bengala. Os restos de alimentos deixados nos pratos eram incinerados, assim como colchões, travesseiros e vestuário, quando descartados. Após cada refeição eram esterilizados todos os pratos e talheres, como também as roupas de cama e de uso individual dos baixados.

Em fevereiro de 1941, por solicitação do diretor do Sanatório Naval, as irmãs de caridade da Ordem de São Vicente de Paulo foram convidadas a auxiliar no sanatório. Ajudavam na lavanderia, cozinha e assistência espiritual aos enfermos. Foi providenciada habitação para as freiras bem próxima ao hospital e edificou-se uma capela. Além do Sanatório Naval, Nova Friburgo na década de 1940 tinha um sanatório privado denominado de Santa Therezinha, no bairro Catarcione. Desde a sua fundação em 03 de janeiro de 1820, a cidade recebia muitos tuberculosos para se convalescerem. Tornou-se uma fonte de renda para muitas famílias alugar um quarto para acolher estes doentes. As pensões ficavam repletas deles, mas os hotéis proibiam categoricamente sua hospedagem, exigindo “chapa” do pulmão.

O capelão, as irmãs Vicentinas e pacientes. Acervo Sanatório Naval

Na década de 1930 surgiram avanços na cura da tuberculose com a invenção da vacina BCG e o fator clima na sua cura passou a ser questionado. Com a descoberta de um antibiótico na década de 1940 e a comprovação de sua eficácia ao longo das décadas de 1950 e 1960, o tratamento da tuberculose passou a ser ambulatorial, sem necessidade de internação, acarretando a desativação dos sanatórios. Ao longo dos anos, muitas mudanças no serviço de atendimento médico ocorreram no Sanatório Naval. Quando as duchas foram consideradas obsoletas, o prédio transformou-se em um centro cirúrgico para os praças, oficiais e familiares e obstétrico para as esposas dos militares. O hospital passou a atender a diversas patologias até o início dos anos noventa. O hospital depois de muitos anos desativado foi transformado em 2022 em um hotel.

Olavo Bilac chamou a tuberculose de voraz, pérfida e infame: “E todas as idades lhe servem, e todas as carnes são agradáveis a seu paladar, carnes tenras de crianças, como as ressequidas de valetudinários. E como o cupim insaciável que tanto come as madeiras baratas como os fidalgos cernes de luxo, a tuberculose chupa a vida dos pobres e dos ricos, mina a existência dos banqueiros e a dos pés-no-chão.”