Vivos na Lembrança, Mortos na Imagem: A Fotografia Funerária do Século 19

No século 19, a fotografia funerária era um costume. Os defuntos eram posicionados em cenas cotidianas, a última e preciosa recordação para consolar as famílias enlutadas.

                              Imagem do distrito de Amparo, em Nova Friburgo. Acervo pessoal.
Imagem no distrito de Amparo, em Nova Friburgo

Desde que, em 1839, Daguerre registrou a patente do processo que permitia fixar um retrato numa placa de metal, um dos aspectos que mais impressiona na história da fotografia é a representação post mortem do defunto. A imagem do familiar falecido atenuava a angústia da perda, funcionando como um bálsamo para a dor. Nas lápides, torna-se comum a fixação do retrato do morto no formato de medalhão-fotografia, um instrumento de permanência da memória.

Foto de uma lápide, no cemitério do distrito de Amparo, em Nova Friburgo.

A fotografia funerária, especialidade em capturar a imagem de pessoas recentemente mortas, era parte integrante da cultura ocidental do século 19 e das três primeiras décadas do século seguinte. Estas imagens constituíam a última e derradeira recordação visual do ente querido, figurando entre as fotografias mais preciosas da família. Mas precisavam agir com rapidez, pois a foto do defunto deveria ser tirada antes do início do rigor mortis.

A grande arte do gênero residia em posicionar o defunto numa cena que simulava a vida quotidiana, frequentemente ao lado de algum membro da família. Por vezes, o retrato era feito com o morto de pé, recorrendo-se, para tal, a uma complexa parafernália de instrumentos dispostos atrás do corpo, de modo a mantê-lo ereto na posição desejada. As crianças falecidas eram frequentemente representadas repousando num sofá ou num berço, por vezes com um brinquedo. A cena era feita de forma tão perfeita, que foi preciso escrever na imagem que a menina Néria estava morta.

Acervo da família de Leyla Lopes, membra da Academia Friburguense de Letras.

Era igualmente comum fotografar o defunto ao lado dos seus irmãos ou da mãe. O cenário era tão meticulosamente elaborado que, hoje, em muitos casos, é difícil identificar quem é o morto na imagem.

Quem é a morta nesta cena? Imagem internet.

Algumas fotografias eram habilmente colorizadas à mão, acrescentando um tênue tom rosado às faces do defunto, conferindo-lhe uma aparência de vitalidade. Outra prática era a foto do defunto no caixão, possivelmente devido à dificuldade em encontrar um fotógrafo especializado nestes rituais póstumos. Um costume bizarro para os dias atuais. No entanto, a última imagem do familiar falecido representava, para os nossos antepassados, uma forma carinhosa de perpetuar a sua memória.

Raul Alves Ferreira e Mello, aluno do internato do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo. Acervo Colégio Anchieta.